quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fluxos em conflito


Equipe de pesquisa: Anderson Benelli; Cleiton Barros de Oliveiva; Priscila Chiemi Massuda



Introdução

O objetivo deste trabalho é resgatar as memórias sociais e culturais da cidade de São Paulo e gerar uma reflexão sobre como se deu o desenvolvimento urbano do centro da cidade de São Paulo, concentrando as pesquisas no Viaduto do Chá e tendo em segundo plano a urbanização do Vale do Anhangabaú.


Pretende-se, a partir desse resgate da memória da região, analisar e refletir sobre o crescimento do fluxo cultural e o quase-desaparecimento do fluxo natural da cidade.


Uma das principais referências para alcançar os objetivos acima foi o livro Anhangabaú de Benetido Lima de Toledo. Neste livro, Toledo faz um resgate histórico do local apontando figuras que tiveram importante participação na ocupação e desenvolvimento da região. Os tropeiros e jesuítas são apontados como os grandes contribuintes nos primórdios da ocupação da cidade, por exemplo. Toledo aponta também, a importante participação da sociedade na construção do Viaduto do Chá. O livro Anhangabaú do autor praticamente se resume a um resgate dos acontecimentos e da sociedade da época, parecendo não ter grande pretensão de reflexão crítica sobre os mesmos. Mas, ao mesmo tempo, com clareza e abertura suficientes para que outros façam sua própria leitura e interpretação dos acontecimentos.




1. Fluxos: De aldeia a cidade

Desde o início da colonização a aldeia indígena que se localizava onde hoje se situa a cidade de São Paulo, já demonstrava “pré-requisitos” geográficos para seu desenvolvimento urbano devido o fluxo natural de seus rios, os quais facilitavam o deslocamento dos colonizadores. Além disso, as trilhas indígenas da região se comunicavam com o interior do país facilitando a ocupação e a exploração das riquezas da “nova terra”. Provavelmente a adição destes fatores foram determinantes para despertar o interesse dos colonizadores pela região.


A província São Paulo rapidamente tornou-se uma espécie de cidade-armazém onde era recebido e distribuído todo tipo de mercadoria. Os grandes responsáveis pelo transporte dessas mercadorias eram os tropeiros, que com suas mulas atravessavam grande extensão de terras.


“Poderíamos dizer que a cidade sobreviveu e se expandiu graças a essa figura fundamental em nossa história: o tropeiro.


A tropa se caracteriza como animal em movimento. Aluíso de Almeida, que estudou profundamente o assunto, registrou o caso de um tropeiro que indagado onde morava respondeu, “no caminho do continente do sul”. Seu domicílio era um caminho que percorria sem cessar”. (TOLEDO, 1989, p. 2).


Nossa pesquisa nos leva a acreditar que os tropeiros também se valiam da praticidade de locomoção dos rios e seus fluxos naturais para o transporte de mantimentos de uma parte a outra da cidade, e até de uma cidade a outra, como das regiões litorâneas à região central de São Paulo, por exemplo. O curioso é como os urbanistas mantiveram a função de distribuição de fluxo e carga dos rios da cidade como os Pinheiros e Tiête, por exemplo, seguindo o trajeto destes através das marginais (em alguns casos os próprios rios foram cobertos e transformados em vias).


Nós acreditamos ser de fundamental importância os fluxos fluviais para a ocupação e desenvolvimento do centro urbano. Os rios como vias naturais de locomoção evitavam o trabalho mais árduo de peregrinação por terra, facilitando a ocupação e o transporte de mercadorias que entravam e saiam da cidade. Todo este fluxo de pessoas e mercadorias, desde os primórdios da cidade de São Paulo, fez da cidade um grande centro urbano comercial.


2 O Viaduto do Chá: um novo fluxo em direção a metrópole

Apesar da contribuição fundamental dos rios para a ocupação e desenvolvimento da cidade, algum destes passaram a ser vistos como estorvos para o desenvolvimento urbano da cidade, fazendo com que, alguns rios fossem canalizados e transformados em vias, aproveitando sua geografia e mantendo sua antiga função de viabilização do fluxo. Entre estes rios, estava o Rio Anhangabaú, que corria no meio do vale de mesmo nome, vale este que dividia a cidade causando transtorno por entravar o fluxo da população entre os dois centros (centro velho, região da Praça da Sé, e centro novo, região da atual Praça da República). Ou seja, os fluxos naturais dos rios foram apropriados e modificados para atender a crescente demanda de fluxo cultural. O Viaduto do Chá também nasceu deste conflito entre fluxo cultural e fluxo natural. O fluxo natural do Rio Anhangabaú visto como


um obstáculo foi sobreposto pelos fluxos culturais do viaduto e do vale urbanizado. Os fatos nos levam a acreditar que a necessidade de uma nova passagem que suportasse os bondes e o novo fluxo da região central demonstrava-se imprescindível diante do rápido desenvolvimento urbano da cidade. Surge então o projeto de Jules Matin com a proposta de um viaduto de estrutura metálica sobre o Vale do Anhangabaú ligando os dois lados, assim, cresce a pressão da imprensa e da sociedade para que a execução do projeto aconteça. Foi inaugurado no dia, 6 de novembro de 1892, o primeiro viaduto da cidade de São Paulo batizado de Viaduto do Chá, que viria a ser conhecido também como viaduto de três vinténs devido ao pedágio que lá existia.


A construção do Viaduto do Chá foi uma das mais importantes obras urbanísticas da cidade de São Paulo, unificando o centro velho ao centro novo o desenvolvimento urbano da cidade acelera ainda mais. Ao nosso entender, o viaduto não ligou só o centro velho ao novo, mas o passado da cidade que atravessava pelo presente em direção ao futuro.



2.1 Um novo Viaduto do Chá

Em 1934, foi aprovado por concurso público o projeto do Eliziário Bahiana para a construção do novo Viaduto do Chá.

Durante as obras do novo viaduto os dois coexistiram (antigo e novo ou passado e futuro). O novo Viaduto do Chá, em estilo Art déco foi inaugurado no dia, 18 de abril de 1938.
 O velho viaduto já estava bem degradado e já não suportava a crescente demanda de fluxo da população (e de automóveis) de uma cidade industrial. Além disso, o centro urbano passou por modificações, fazendo com que esta terceira intervenção urbana (a segunda intervenção no viaduto foi em 1902, devido o intenso fluxo de bondes de tração animal houve grande desgaste do tabuleiro de madeira e a primeira reforma do Viaduto foi necessária para a introdução dos trilhos dos bondes elétricos, permanecendo somente as calçadas de madeira) apresentasse uma preocupação estética de colocar o novo Viaduto do Chá em “harmonia” com o restante da arquitetura local, e de forma simétrica entre a praça do Patriarca e a praça do Teatro Municipal. Esta preocupação com a “harmonia estética” demonstra-se bem diferente das intenções da primeira intervenção, que foi em necessidade de atender um fluxo maior de trânsito entre o centro velho e centro novo, apresentando uma preocupação mais funcional.


3 Rio Anhangabaú: O fluxo do malefício e a persistência da memória


Os índios Tupis que habitavam a região temiam o rio, pois aqueles ousavam desafiar o fluxo de suas águas em alguma travessia adoeciam, e foi essa a origem do nome “Anhangabaú”, também conhecido como canal das almas. Os índios habitavam as suas margens e acreditavam que o rio era domínio de maus espíritos. “Anhangaba” do Tupi quer dizer diabrura, malefício, ação do diabo ou feitiço. “Anhangabahy”, no tupi é o mesmo que anhangá-y, rio ou água do mal espírito”.
A região foi transformada em vila e depois cidade e o rio continuava causando transtornos, quando chovia o rio transbordava e as pessoas prosseguiam adoecendo e até morrendo por causa de suas águas insalubres (continham minerais e gases tóxicos).
O Rio Anhangabaú foi canalizado na tentativa de sufocar o seu fluxo natural e os problemas que o acompanhavam, dando espaço a um novo fluxo cultural. Mas, o “Canal das almas” não havia se calado e continuava roubando vidas, o que se evidenciou no passado em alguns suicidas que pulavam do Viaduto do Chá.
Hoje, poucos cidadãos da cidade estão a par da existência de um rio debaixo do Vale do Anhangabaú. Mas, nós temos a impressão que o mal responsável pela origem do nome do rio, ainda está lá, se apresentando de forma diferente. Os moradores de rua perambulam como “almas penadas” a região central. Quando chove, as enchentes no túnel Anhangabaú interrompem o fluxo de carros, é como se o rio insurgisse do submerso trazendo de volta o passado. Como se o espírito do rio ao qual os índios se referiam transcendesse todos os obstáculos de sua prisão para materializar-se na superfície, desencadeando uma série de males para manter viva sua memória em uma luta pela retomada de seu espaço. Este conflito de existência entre fluxo natural e fluxo cultural esta constantemente presente por toda cidade de São Paulo.



4 Considerações Finais 

Os fluxos naturais dos rios tiveram uma contribuição crucial na ocupação e no desenvolvimento da cidade. Mas, a falta de um planejamento de urbanização adequado, fez com que os fluxos culturais surgissem invadindo o espaço dos fluxos naturais, diminuindo em muito o número de rios da cidade de São Paulo. Os rios e seus fluxos naturais eram cobertos e “desconstruídos” para a construção de novos fluxos culturais a partir de seu espaço geográfico.


As ocupações e intervenções feitas de forma inadequada no ambiente natural deram origem a um conflito entre natureza e concreto. As pavimentações e modificações nos fluxos naturais dos rios e a falta de planejamento adequado para o escoamento das águas das chuvas acaba causando enchentes. Estas enchentes evidenciam os conflitos constantes entre a existência simultânea de fluxos naturais e culturais, causando grandes transtornos e perdas (trânsito causado pelo fluxo “natural” e calamidades públicas como a que tivemos no sul recentemente) não só no centro e na cidade de São Paulo, mas em várias das grandes cidades do país.





Referências Bibliográficas 

BRUNO, Ernani Silva. Burgo de Estudantes (1828-1872), São Paulo: Editora Hucitec, Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1984. (História e Tradições da cidade de São Paulo Vol. II).


BRUNO, Ernani Silva. Metrópole do Café (1872-1918) e São Paulo Agora (1919-1954), São Paulo: Editora Hucitec, Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1984. (História e Tradições da cidade de São Paulo Vol. III).


CAMPOS, Candido Malta. Construção e Desconstrução do Centro Paulistano. Cidades/Artigos, Cienc. Cult. vol.56 no.2 São Paulo Apr./June 2004, p. 33 – 37, s/d. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252004000200018&script=sci_arttext. Acesso em: 18 set. 2009


SIMÕES JÚNIOR, José Geraldo, Anhangabaú: história e urbanismo, São Paulo: Editora Senac, 2004.


TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú, São Paulo: FIESP, 1989.


TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século, São Paulo: Duas Cidades, 1981.



Referências Iconográficas



TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú, São Paulo: FIESP, 1989.